Arvores cobriam o céu, o som de pássaros e outros animais
curiosos eram ouvidos. Enquanto Alice e Noah se encontravam inconscientes,
Miranda estava sentada sobre o verde capim que dançava à leve brisa que passava
ali. A boneca não sabia quanto tempo ficara naquela caixa, quando desligada a
mesma perdia a noção do tempo. Podia ter passado apenas horas ou mesmo passado
eras.
Não importa o tempo que passou, cada segundo era uma
eternidade longe daquele que a criou. A bela boneca colocava a mão no peito,
sentia uma dor, em tempos passados aprendera que aquilo se chamava saudades...
E doía...
Alice abria os olhos, olhava ao redor quando vira Miranda.
-- Miranda! Tudo bem contigo? – Perguntou a arquimaga num
tom preocupado.
-- Estou ótima! Acho que devíamos nos preocupar com você.
Alice seguira a visão da boneca, vira sua perna queimada e
psicologicamente voltara a sentir a dor.
--Droga... Olha só que estrago... Eu vou poder curar... Mas acho que vai deixar uma marca feia...
-- Curar? – Perguntou a outra.
-- É... Mas não é uma cura tão eficiente assim, mas dá para
o gas... – Mas antes de terminar a frase a arquimaga sentiu a mão da boneca
tocando sua queimadura.
Havia uma singela luz branca e logo a ferida se fechara.
-- Mas... Mas como? – Gaguejava Alice. – Você é uma boneca,
não é? Um familiar talvez, quem sabe um golem... Você devia ter uma cura
básica, no máximo, não essa magia com um fervor tão... – Tocando a perna que
voltara a se tornar perfeita. --... Tão divino...
Miranda apenas a olhava com a mesma expressão fria de
sempre.
Noah levantava-se, um pouco tonto enquanto olhava ao redor e
se apoiava em sua lança.
-- Com certeza não estou mais em casa...
Alice rapidamente levanta-se e apontando a varinha para o
homem grita:
--Quem é você?
-- Estou ouvindo muito isso hoje... Noah Bell... e vocês
quem são?
Ainda apontando a varinha:
-- Esta é Miranda e eu sou Alice Drineville, Arquimaga das
águas e você um guerreiro...
Noah virou os olhos.
-- Uma mística... Deixa eu adivinhar... Agora você vai
querer me matar por causa da Guerra do Punho Arcano.
Gensõ vivia em meio à guerras e a Guerra do Punho Arcano era
uma delas. Desde tempos imemoriais, a deusa Liaavel, deusa da guerra e assim
protetora dos guerreiros vive em guerra com Therwin, deus da magia e protetor
dos magos, Ela por ser uma deusa de honra e ordem e ele um deus que utiliza a
magia para quebrar o que é certo. Boatos correm à boca pequena que há um
sentimento de afeição entre os dois deuses e por causa das diferenças vivem
nessa infinita batalha... Ninguém ousaria blasfemar falando isso...
-- Não vou lhe atacar por causa disso... – Disse Alice. –
Apenas os fanáticos por Therwin tomam essa guerra para si... Respeito o deus,
mas não a esse ponto... – A mulher se aproximara do outro. – Só fiquei surpresa
pela ousadia de um guerreiro entrar na Faculdade Mística... – Colocando a
varinha em seu pescoço. – Você podia estar morto agora!
Seu pomo-de-adão movia-se nervoso, não sabia do que aquela
mística era capaz, lera sobre eles, sobre a guerra e sabia que eles eram
capazes de feitos poderosos, pelo ao menos antes de levar um tapa e caírem
mortos.
-- Mas estou vivo... E agradeceria se você tirasse isso do
meu pescoço. – Ele a fitava sério e intimidador.
Alice abaixa a varinha e Miranda se aproxima:
-- Onde estamos?
-- É floresta? – Perguntou Alice para si mesma olhando ao
redor
Noah senta-se de pernas dobradas e toca o chão de capim
verde e vivo.
--Não sei onde estamos, mas com certeza não estou mais em
minha aldeia... – Uma borboleta passa voando na sua frente. – Com certeza
não...
-- Parados nós não vamos ficar... – Dizia a arquimaga
puxando Miranda.
-- Boa sorte... – Dizia Noah indo na direção oposta.
-- Você não vai conosco? – Perguntava Miranda sendo puxada
pela outra.
-- Deixa-o ir... Estaremos melhor sozinhas...
...
Havia se passado alguns minutos, aproximadamente meia-hora e
Noah estava mais perdido ainda. Lembrava de onde vinha e comparava os locais.
Noah era filho de um demônio, havia sangue abissal correndo em suas veias,
mesmo que fosse pouco. O filho de demônio não vinha de Gensõ, mas de um plano
diferente como a Faculdade Mística. Noah vinha do plano de Barakon, deus das
trevas e criador do mal. Um reino de infinitas sombras e desespero, onde
pessoas eram massacradas e demônios dominavam as terras como reis e
imperadores. Choro e gritos eram constantemente ouvidos, a dor era a rainha
real naquele mundo sádico.
Mas Noah era um ponto branco naquele mundo negro. Desde
pequeno fora maltratado e humilhado por não ser tão ruim e sádico como qualquer
demônio, quando cresceu treinou na arte da lança, mas diferente de seus
companheiros raciais, não usava aquela lança para matar, mas sim para
proteger...
Até que matara seu próprio pai...
O homem sentia sua cicatriz no olho direito doer com as
lembranças. Já se sentia um peixe fora d água no submundo de Barakon, ali, se
sentia mais perdido ainda.
Queria voltar.
...
Miranda estava cabisbaixa enquanto era delicadamente guiada
por Alice.
A arquimaga virou-se para a boneca:
-- O que foi? Parece triste... Mais do que o normal... – Ela
parou e pensou um pouco. – Não me diga que é por causa daquele guerreiro...
-- Não! Quer dizer me preocupa um pouco deixar ele sozinho
nesse local desconhecido... Mas... O papel...
-- Ah! A carta deixada pelo seu criador... Entendo sua
preocupação... – Ela sorria. – Mas eu disse que ia ajudar, não disse? E vou ajudar! Você não está mais sozinha.
Um sorriso, embora pequeno e quase invisível fez- se nos
lábios cor de cereja de Miranda.
Alice sorriu mais. – Você devia sorrir às vezes... É bom...
-- Só sorrio quando tenho motivos... – A boneca respondeu. –
Sua ajuda é um deles...
Alice iria agradecer, mas ambas ouviram um som de galope,
ouviram som de galhos quebrando e de lamina cortando algo. O suficiente para fazê-las
correr.
O som se aproximava, o galope era alto e as plantas se
moviam com a chegada do ser. De repente algo pula na frente das mulheres, era
uma criatura sombria com o dorso humano coberto por um manto negro, esfarrapado
e a parte inferior de cavalo, parecido com um centauro, mas com uma pelugem
muito negra e brilhosa. Carregava uma foice de grande lamina ensangüentada e
suja pelas arvores que cortara.
Miranda estava com sua expressão fria, sem noção de perigo,
enquanto Alice com um grito assustado já apontava para o ser com a varinha.
A criatura quadrúpede apoiou-se nas patas traseiras enquanto
erguia sua foice alto no ar. Não havia mãos segurando a foice, era como se um
fantasma preenchesse a parte do manto negro.
-- Um... Pesadelo? – Gaguejava Alice, assustada.
Pesadelos são criaturas que nascem dos sonhos, que ceifam
sonhos felizes e deixam traumas e medos. Com a queda no véu em Daekor, monstros
dos sonhos escaparam e são agora comuns no continente. Uma entre as milhões de
pragas que constituem a Guerra Espiritual.
Tocando com a varinha no chão, Alice faz uma grande
estalagmite de gelo rasgar os chãos cobertos de capins para atingir a criatura.
A lâmina feita de gelo bate na pata direita dianteira do
monstro que se desequilibra e cai apoiando-se em sua foice. O Pesadelo
rapidamente levanta-se e ataca as mulheres com sua arma. Alice se joga no chão
e puxa Miranda para esquivar-se da lamina suja, que faz um arco sobre suas
cabeças.
-- Vem! Vamos sair daqui! – Gritava a arquimaga enquanto
puxava a companheira.
Ambas começam a correr pela floresta, esquivando-se dos
galhos que atrapalhavam o caminho. Ouvia-se o galope do Pesadelo atrás, mas
Alice não tinha coragem de olhar para ele. Suas pernas já doíam e seus olhos
não conseguiam enxergar direito o caminho que percorria, sentindo a mão de
Miranda na sua, apenas corria.
Não se ouvia mais o galope, as duas se encontravam perdidas
mais ainda. Alice olhou para a boneca.
-- Você... -- Tomando ar. – Você está bem?
Miranda iria responder quando se ouviu o som de ferros se
chocando. Alice virou-se e a lâmina do Pesadelo estava a centímetros de sua
cabeça, o que a fez cair sentada com o susto. Mas a foice estava parada, algo a
parou.
-- Estão vivas? – Era Noah que com a sua lança segurava a
lâmina do Pesadelo.
O monstro andara para trás e começava a cortar o ar a fim de
atingir Noah. A criatura aproximava a lâmina em cima do guerreiro, o mesmo
tentava se proteger com sua lança, quando várias agulhas feitas de gelo voaram
para o Pesadelo, fazendo- o urrar um grito fino e tenebroso. Com a
desconcentração do ser, Noah crava sua lança no meio do peito equino do mesmo.
Assim que sente a lança penetrar sua dura carne, a criatura
passa sua foice no braço do guerreiro, criando um corte profundo, fazendo seu
osso ficar exposto.
Noah gritava de dor.
Um feixe de luz num formato de uma espada de ponta-cabeça
rasgou o chão indo em direção à criatura. Assim que a toca, a criatura se torna
pó, fazendo cair a lança de Noah no capim.
-- Bom trabalho, Nagilla... – Dizia uma voz se aproximando.
Era uma mulher de aparentemente 30 primaveras de muito respeito e seriedade.
Suas orelhas semi-pontudas a denunciava meio-elfa e seus cabelos compridos e
azuis caiam em suas costas. Usava um comprido vestido branco com o símbolo de
Maagany estampado no peito. A mulher vinha acompanhada de uma garota que não
tinha mais do que seus 15 anos, também usando trajes brancos. Nos braços da
mais velha, um pequeno robô olhava em silêncio.
-- Obrigada madre Layla! – Dizia a garota humana de cabelos
negros como sua pele, rebeldes e altos. – É uma honra ajudá-la...
Layla, a mais velha, nota o sangramento no braço de Noah e
soltando o robô, que flutuara no ar, ela se aproximava do guerreiro.
-- Rápido Nagilla! Precisamos de cura!
Nagilla se aproxima e quando já estava pronta para curar
Noah, para.
-- Perdão, senhora! Mas me recuso curá-lo.
Miranda e Alice olham assustadas, enquanto Layla fita o
homem e depois a outra em desaprovação, sendo imitada pelo pequeno robô.
-- Vamos levá-lo ao santuário de Maagany próximo daqui onde
nós moramos... – Dizia Layla tentando levantar Noah.
--... E sujar a honra da deusa? – Dizia a menor.
-- Nagilla! – Exclamava Layla com seriedade fazendo a outra
ajudar no mesmo instante a levantá-lo, mesmo entre pequenos resmungos.
Alice estranhava aquela reação da curandeira. Clérigos de
Maagany nunca se recusavam a ajudar, o que a fazia imaginar se elas realmente
eram filhas da deusa da vida.
-- Por que... Você mesma não cura? – Falava Noah em suas
últimas forças para Layla. – É a madre, não é?
O rosto de Nagilla e do pequeno robô eram de raiva, enquanto
o de Layla, vergonha.
Miranda se aproximava do guerreiro e com uma luz tomou sua
mão que assim que tocara o braço de Noah começara a curá-lo.
-- Uma... Clériga? – Layla e Nagilla se espantavam. O robô
voava feliz ao redor de Miranda.
-- Por favor, venham comigo ao templo, pelo ao menos para
descansar.
O braço de Noah era apenas uma cicatriz no machucado, quando
esse se levanta e caminha passando por Nagilla que o olhava feio.
-- Então vamos... Porque eu preciso mesmo descansar!
E os outros o acompanham.
Continua...
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