quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Três Mundos - Parte 1 – Encontros


Para se tornar um místico, um dominador das artes arcanas, os interessados têm opções variadas que passam desde pactos sombrios com criaturas malignas à horas na frente de um grimório aprendendo palavras e gestos mágicos. Esses místicos são conhecidos como Magos.

Magos são acadêmicos, pessoas que estudaram com afinco e dedicação a magia. Magos são muitas vezes vistos como heróis pelas pessoas comuns. Alguns estudam na Faculdade Mística, um grande templo que serve de escola para os que precisam de ajudas arcanas, e esses são chamados de Arquimagos, pois são ainda mais especiais que os magos comuns.
Mas Therwin é um deus impiedoso, em seu templo acadêmico só são bem-vindos aqueles muito poderosos ou que podem pagar o preço adequado, criando o título de ‘nobres’ à qualquer Arquimago.
Ninguém em Gensõ sabe ao certo a localização da Faculdade Mística, já que ninguém entra nela por meios mortais, é necessário um alto nível em magia de teleporte, o que faz alguns estudiosos crer que a Faculdade não fica no mesmo plano de Gensõ.

Os corredores e salas do templo são imensos e tão carregados de magia, que mesmo raças que não dominariam as artes arcanas em outros locais o fazem lá.
E caminhando em um dos milhares corredores mágicos estava Alice, filha única da família Drineville, uma família de nobres que vivem na grande cidade de Enemus, no continente de Drimlaê. A filha desde muito cedo se interessou pela magia, e fosse pelo poder que a mesma proporcionava ou simplesmente pela sua pirotecnia fascinante, os pais de Alice não hesitaram em pagar as altas mensalidades para ter a filha na Faculdade, que em algumas partes de Gensõ é uma grande honra.
Mas a família Drineville nunca colocara sua esperança na filha. Na verdade nunca acreditaram que a mulher fosse se tornar uma verdadeira Arquimaga. Alice sabia disso, o peso em seus ombros era grande, pois tinha honra e orgulho, muito orgulho.
Alice caminhava rápida e com passos longos, seu rosto, coberto normalmente por uma pele branca e lisa, agora era vermelha. Seu punho coberto por uma luva de couro de hidra estava cerrado e só o que se ouvia era o som de seu salto batendo no chão perfeitamente limpo do corredor. Algumas pixies, minúsculas fadas de luz, passavam pela mulher, algumas brincando com seus longos e volumosos cabelos castanhos que, ondulados, caiam como cascata em suas costas. As fadas que brincavam em seus cabelos sempre rodeavam a grossa e chamativa mecha roxa que a mulher fizera em tempos rebeldes em seu cabelo.

Seus olhos castanhos e amendoados nem notavam as pixies ao seu redor – coisa comum entre estudantes da Faculdade Mística-, fitavam o fim do corredor, que naquela hora tarde da noite, estava coberto por sombras.
-- Aquela Samara Raven vai ver só! – Resmungava a mulher para si mesma. – Como ela ousa duvidar de mim daquela forma? E na frente do professor...
Alice ajeitava a capa azul escura com o grande símbolo de Therwin – um grimório aberto - estampado nela, que era a farda dos acadêmicos. Por baixo da capa usava um comprido vestido que, apertado aos seus ombros faziam um decote bonito que protegiam um belo par de grandes seios bem desenhados, o vestido caia solto na cintura, abrindo um enorme corte que deixava sua perna esquerda nua, onde havia uma delicada bota de couro que guardava uma varinha mágica que pareia feita de cristal. Seus cabelos eram enfeitados por uma faixa bordada que rodeava a cabeça como uma coroa de flores.
Alice andara um pouco mais, com coragem suficiente para adentrar as densas trevas que cobriam o final do corredor. A pouca luminosidade vinha das raras pixies que continuaram a acompanhando. Nesse momento só havia duas.
A faculdade Mística é um local de mistérios. Um elfo poderia viver toda sua longa vida no campus e mesmo assim não conheceria nem metade do que escondia suas portas e corredores.
La estava Alice. A Arquimaga se encontrava no final do Corredor do Medo, um corredor que era assunto entre alunos à noite, quando estes contavam historias de terror uns aos outros. Havia lendas e exageros rodeando aquela parte do Prédio das águas, o local onde místicos de água – como a própria Alice – estudavam.

Na Faculdade Mística os alunos são divididos de acordo com suas magias iniciais em prédio diferentes, mas não eram incomuns alunos de um prédio estudar em outro ou até mesmo em mais, mas eram apenas os poderosos ou pacientes que aprendiam a dominar mais de um elemento, algo que é necessário muito tempo e experiência.
Alice se encontrava na frente de daquela porta. Suas amigas contaram a historias dali, não muita coisa, mas o suficiente para causar medo. Aquele corredor era uma parte do dormitório masculino do prédio das águas, mas que por motivos misteriosos fora abandonado até hoje. Boatos contam que foi apenas um reforma inacabada que deixou o corredor naquele estado. Alice preferia pensar que era isso mesmo.
Empurrando a porta lentamente, a Arquimaga ouvia seu rangido que disputava com o som do seu coração, que batia assustado.
...
Aquilo era um ritual. Forças dominavam aquela sala que estava repleta de velas e desenhos arcanos pintados para todos os lados. Um grande caldeirão borbulhava no centro da sala, cuspindo uma fumaça fétida e avermelhada envolta por fios de luz verdes que se mexiam como vermes.
Alguém se aproximava do caldeirão, era uma bela mulher de longos e lisos cabelos negros que combinavam com sua pele alva, que cobria um corpo esquio e aparentemente frágil. Carregava nas pequenas mãos algo gosmento e pulsante. Era um coração, que ainda batia. Suas mãos e antebraços sujos de sangue denunciavam que o ato macabro fora executado pela própria mulher. O corpo da vitima, um jovem ferreiro, ainda tremia quente em um canto da sala.
Ela se aproximara do caldeirão e sem demora jogou o coração na água borbulhante. A fumaça rodeou toda sala, iluminando os desenhos arcanos um a um, seguindo para a mulher. A fumaça abria os botões de sua blusa branca que de mangas compridas, estavam puxadas para não serem manchados pelo sangue, como acontecera com sua calça também branca e seus pés descalços. Com seios à mostra a fumaça os rodeavam, tirando um gemido de prazer da mesma.

A fumaça para.
Fez-se silencio e então a fumaça vira um circulo na frente de sua invocadora e dentro dele aparece um espelho.
-- Mostre-me o demônio Francis! – Ordenou a mulher e sua voz soou autoridade e calma.
O espelho quebra-se e outro aparecera no lugar, mas o segundo agora mostrava uma imagem. Era um lugar triste e devastado, mas calmo. Sentado em um tronco podre que estava jogado na areia alaranjada do local, se encontrava um homem. Era um jovem alto e de corpo forte, tinha o cabelo comprido negro, que pendiam num rabo de cavalo preso por duas mechas de dreads de seu próprio cabelo. Sua pele era de um bonito marrom que combinava com sua armadura pesada de coloração branca com alguns detalhes vermelhos. Em uma mão segurava uma lança de bronze e no outro um livro, que seguia com seu olho esquerdo, pois o direito carregava uma cicatriz grande e feia que o mesmo ostentava como um prêmio, assim como seus poucos cortes no corpo que a armadura mostrava.
A mulher aproximou-se do espelho e forçou os olhos para reconhecer aquele homem da imagem que ela nunca tinha visto antes.

--Está brincando comigo, espelho? – Ela disse. – Fiz o ritual completo, você deveria buscar pelo sangue do demônio Francis... FRAN-CIS... Quem é esse? – Ela apontava para aquele que lia do outro lado da imagem.
Não houve resposta e logo após um longe suspiro impaciente a mulher de trajes brancos coloca a mão no espelho e um pequeno portal se abre atrás do homem, que entretido com sua leitura, só percebe quando é puxado pelo pescoço, levando sua lança, mas deixando seu livro caído.
...
Alice adentrava a sala. As pixies não mais a seguiam, dificultando sua visão. A mulher levanta a perna e de sua bota pega sua varinha. Batendo suas vezes em sua mão a varinha se torna como cristal luminoso, mostrando mesmo em meio a penumbra, o local onde se encontrava.
A Arquimaga estava em um quarto. O mesmo parecia idêntico aos dos dormitórios normais. Enquanto rodeava no meio do quarto, tentando ter uma visão de 360 graus, percebia que suas paredes estavam quebradas. Havia vários livros rasgados e jogados no chão e havia uma mesa com um grande pacote em cima dela.

Alice olhara para trás, tendo certeza de que ninguém a observava. Há anos ninguém entrava naquela sala, aquele pacote com certeza era do aluno que vivia naquele quarto. Se é que havia alguém.
Tirando a ponta da varinha como uma tampa, a mulher analisou o canivete que guardava ali e se aproximou do pacote começando a cortar-lhe.
Era uma caixa.
Não uma caixa comum, mas um caixa de boneca. E dentro da caixa uma boneca.
Ela era quase do tamanho de Alice, a mesma até levou um pequeno susto por causa do realismo que tinha o brinquedo, mas depois do susto, admiração. Era uma garota muito linda de traços delicados, quase élficos. Podia-se notar que era uma espécie de boneca pelos braços que tinham parafusos encaixando-os. Usava um comprido vestido rosa, na mesma tonalidade de um laço que se prendia à direita de sua cabeça. Seus cabelos eram muito compridos, atingiam seus joelhos num tom lilás muito bonito, dançando pela sua pele clara, que tinha alguns traços rosados. Usava saltos pequenos em sapatos também rosas.
Alice se aproximava da caixa, tocava a pele da boneca, curiosa. Era macia como a uma humana qualquer.

-- Que trabalho bem feito...
Assim que a Arquimaga falara os olhos daquele que se encontrava dentro da caixa se abrem forçadamente. Alice dá um passo para trás e deixa cair sua varinha luminosa.
Os olhos da boneca eram tão rosados que parecia avermelhado, o que assustou Alice.
-- Mestre? – Dizia a boneca com uma expressão fria no rosto. Com movimentos delicados, dignos de uma nobre a bela boneca sai da caixa e caminha até a varinha, pegando-a e aluminando o quarto. A luz então para no rosto de Alice.
-- Ele não está aqui, não é?
Alice respira fundo, aquela a sua frente não parecia perigosa, pelo ao contrario, era tão bela e delicada que a Arquimaga quase tinha vontade de abraçá-la.
-- Você deve estar falando do aluno que dormia nesse quarto... Não, não há ninguém aqui há não sermos nós duas... – Dizia Alice se aproximando e estendendo a mão para receber sua varinha de volta. – Qual seu nome?
-- Miranda... – Dizia a boneca entregando o objeto à sua dona. Ela então se voltou a sua caixa e tocando-a delicadamente falou para si mesma: -- Você prometeu que estaria aqui quando eu acordasse...
Alice se aproximava da outra.
-- Meu nome é Alice... Eu... Posso ajudar você? Parece preocupada com algo...
Quando a mulher se aproximara, a luz da varinha iluminou a mesa onde se encontrava a caixa de Miranda. Entre cadernos riscados e antigos livros rasgados havia um papel em especial, estava enrolado, mas na ponta podia-se ler o nome da boneca.
-- Veja Miranda! – Dizia a Arquimaga apontando com a luz para o papel.
A boneca virou, seguindo a luz, e logo reconheceu aquela letra, e animada – embora com o rosto ainda sem expressão – aproximou-se para pegar o papel, quando a sala inteira pareceu começar a tremer.

...
Noah Bell se encontrava naquela sala escura, iluminada apenas por símbolos arcanos que brilhavam numa coloração azulada no chão e nas paredes.
Um passo molhado fora ouvido, era os pés daquela que o invocara que ainda sujos de sangue, faziam aquele som. A mulher se aproximara de Noah e num rápido movimento segura-lhe o pescoço e olhando fixamente em seus olhos gritava:
--Quem é você? Qual sua ligação com o demônio Francis?
Noah a encarava também, mesmo com dificuldade em respirar.
-- Eu que pergunto: “Quem é você?” E o que você sabe sobre meu pai?
A mulher folgou a mão.
-- Pai?
Noah usou o cabo da lança para fazer a outra soltar-lhe, e dando um pulo para trás começara a tatear as paredes, na inútil tentativa de procurar uma saída.
-- Filho? – Falava a mulher para si mesma, com as mãos no rosto, assustada. Apoiava-se no caldeirão que ainda borbulhava. – Como? Quando?
Apontando a lança para a mulher: -- Você! Bruxa! Mostre-me a saída!
O rosto da mesma fica vermelho, sua expressão era de raiva. – FILHO? – Ela gritava e com um movimento da mão uma esfera flamejante se formava na sua frente sendo lançada ao inimigo.
O homem esquiva-se e a bola de fogo bate na parede quebrando-a. Do lado de fora, noite. Estavam em uma torre alta, podia-se ver um pequeno vilarejo embaixo e enquanto Noah o fitava, tentando calcular se poderia pular, outra bola de fogo passa em seu ombro, empurrando-o e queimando-o. O homem caíra, mas segurava-se em tijolos quase soltos que o buraco formou. A lança sempre em mãos.

-- Onde ele está? – Dizia a mulher se aproximando de Noah com outra esfera perto do rosto do homem. – ONDE ELE ESTÁ? – Gritava.
-- QUEM É VOCÊ? – Gritava Noah enquanto tentava afastar o rosto da esfera de fogo.
-- Estella! Sou a Estella!
Noah a olhou sem a reconhecer.
-- Seu pai nunca falou de mim? – Perguntou surpresa.
-- Nunca...
Estella olhou os céus escuros, com olhos distantes.
Noah aproveitou a brecha na atenção da mulher e usando a lança, apoiou-se no chão da sala e puxou seu corpo para o chão novamente.
-- Onde ele está? – Ela perguntou ainda fitando os céus.
-- Você não vai encontrá-lo...
-- Eu perguntei... – Ela virou-se para ele. Seus olhos, chamas ardentes. --... ONDE ELE ESTÁ? – Uma bola de fogo fora lançada em cheio no meio do peito do homem, que caiu sobre o corpo do ferreiro que já esfriava nesse momento.
-- ELE ESTÁ MORTO! – Gritou Noah.
Estella parou.
-- Eu mesmo o matei! – Sorriu Noah e seu sorriso era assustador e satisfeito.
A mulher o olhou e com uma bola de fogo em mãos correu para o mesmo enquanto rugia alto.
Num ato desesperado Noah jogara o corpo do ferreiro em cima da mulher. A mesma o empurrava com a bola de fogo e sua cabeça caíra no caldeirão enquanto seu corpo pendia no pescoço. Um novo portal abriu-se e antes que pudesse ser atingido por outro ataque flamejante, Noah pulou nele.
...
Miranda se aproximava do papel quando um tremor começou e sobre a cabeça das mulheres um portal fora aberto e Noah caíra sobre elas. A bola de fogo voara atrás dele, atravessando o portal também, atingindo os cadernos que estavam jogados no chão, que começaram a pegar fogo e se espalhar por toda sala.

Noah estava em cima de Alice, a mesma o empurra e assim que o mesmo toca no chão uma espécie de alarme começa a soar por todo o prédio.
-- Um guerreiro? – Falou Alice para si mesma.
Estella também atravessava o portal.
-- E eu mesma vou ti matar, filho de Francis!
Três bolas de fogo voaram em direção a Noah, mas uma delas atingira Alice, queimando sua perna nua.
A Arquimaga gritou pela dor e Miranda sem saber o que fazer pegara sua caixa e jogara em Estella. A caixa jogada pela boneca passara pela mulher, entrando no portal atrás dela e atingindo o caldeirão da sala do outro lado. A cabeça jazida do ferreiro balançou e outro portal se abrira no quarto onde todos se encontravam.
A sala pegava fogo, e na porta ouviu-se um grito:
-- Renda-se em nome de Therwin!
Noah olhou o portal e correu até ele:
-- Eu não sei vocês, garotas... Mas aqui eu não fico! – Se jogando.
Estella tentou o seguir, mas Miranda e Alice estavam na frente.
A invocadora de fogo fez as chamas voltar-se para as duas.
-- Saiam da frente!
Na mesma hora a porta do quarto rachara por um raio lançado por um místico. Havia vários na porta.
-- Precisamos ir também! – Gritava Alice puxando a boneca.
As chamas ainda tentaram atingi-la, passando perto de sua mão e fazendo-a soltar o papel.
-- A carta! A carta! – Gritava Miranda. Enquanto o portal se fechava. Só o que a boneca viu fora Estella pegando o papel e sorrindo.
O portal fechara.

-- Renda-se em nome de Therwin! – Gritou um dos místicos apontando seu cetro feito de pedra para Estella.
A mulher os olhou e de suas costas um par de asas saíra, asas feias e débeis, manchadas e depenadas, Estella era um anjo. Um anjo caído. As asas a cobriram e logo só havia penas amassadas que queimavam junto com a sala na frente dos místicos.
Estella também fugira.
Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário