Para se tornar um místico, um dominador das artes arcanas,
os interessados têm opções variadas que passam desde pactos sombrios com
criaturas malignas à horas na frente de um grimório aprendendo palavras e
gestos mágicos. Esses místicos são conhecidos como Magos.
Magos são acadêmicos, pessoas que estudaram com afinco e dedicação a magia. Magos são muitas vezes
vistos como heróis pelas pessoas comuns. Alguns estudam na Faculdade Mística, um
grande templo que serve de escola para os que precisam de ajudas arcanas, e esses são chamados de Arquimagos, pois são ainda mais especiais que os magos comuns.
Mas Therwin é um deus impiedoso, em seu templo acadêmico só
são bem-vindos aqueles muito poderosos ou que podem pagar o preço adequado,
criando o título de ‘nobres’ à qualquer Arquimago.
Ninguém em Gensõ sabe ao certo a localização da Faculdade
Mística, já que ninguém entra nela por meios mortais, é necessário um alto
nível em magia de teleporte, o que faz alguns estudiosos crer que a Faculdade
não fica no mesmo plano de Gensõ.
Os corredores e salas do templo são imensos e tão carregados
de magia, que mesmo raças que não dominariam as artes arcanas em outros locais
o fazem lá.
E caminhando em um dos milhares corredores mágicos estava
Alice, filha única da família Drineville, uma família de nobres que vivem na
grande cidade de Enemus, no continente de Drimlaê. A filha desde muito cedo se
interessou pela magia, e fosse pelo poder que a mesma proporcionava ou
simplesmente pela sua pirotecnia fascinante, os pais de Alice não hesitaram em
pagar as altas mensalidades para ter a filha na Faculdade, que em algumas partes
de Gensõ é uma grande honra.
Mas a família Drineville nunca colocara sua esperança na
filha. Na verdade nunca acreditaram que a mulher fosse se tornar uma verdadeira
Arquimaga. Alice sabia disso, o peso em seus ombros era grande, pois tinha
honra e orgulho, muito orgulho.
Alice caminhava rápida e com passos longos, seu rosto,
coberto normalmente por uma pele branca e lisa, agora era vermelha. Seu punho
coberto por uma luva de couro de hidra estava cerrado e só o que se ouvia era o
som de seu salto batendo no chão perfeitamente limpo do corredor. Algumas
pixies, minúsculas fadas de luz, passavam pela mulher, algumas brincando com
seus longos e volumosos cabelos castanhos que, ondulados, caiam como cascata em
suas costas. As fadas que brincavam em seus cabelos sempre rodeavam a grossa e
chamativa mecha roxa que a mulher fizera em tempos rebeldes em seu cabelo.
Seus olhos castanhos e amendoados nem notavam as pixies ao
seu redor – coisa comum entre estudantes da Faculdade Mística-, fitavam o fim
do corredor, que naquela hora tarde da noite, estava coberto por sombras.
-- Aquela Samara Raven vai ver só! – Resmungava a mulher
para si mesma. – Como ela ousa duvidar de mim daquela forma? E na frente do
professor...
Alice ajeitava a capa azul escura com o grande símbolo de
Therwin – um grimório aberto - estampado nela, que era a farda dos acadêmicos.
Por baixo da capa usava um comprido vestido que, apertado aos seus ombros
faziam um decote bonito que protegiam um belo par de grandes seios bem
desenhados, o vestido caia solto na cintura, abrindo um enorme corte que
deixava sua perna esquerda nua, onde havia uma delicada bota de couro que
guardava uma varinha mágica que pareia feita de cristal. Seus cabelos eram
enfeitados por uma faixa bordada que rodeava a cabeça como uma coroa de flores.
Alice andara um pouco mais, com coragem suficiente para
adentrar as densas trevas que cobriam o final do corredor. A pouca luminosidade
vinha das raras pixies que continuaram a acompanhando. Nesse momento só havia
duas.
A faculdade Mística é um local de mistérios. Um elfo poderia
viver toda sua longa vida no campus e mesmo assim não conheceria nem metade do
que escondia suas portas e corredores.
La estava Alice. A Arquimaga se encontrava no final do
Corredor do Medo, um corredor que era assunto entre alunos à noite, quando
estes contavam historias de terror uns aos outros. Havia lendas e exageros
rodeando aquela parte do Prédio das águas, o local onde místicos de água – como
a própria Alice – estudavam.
Na Faculdade Mística os alunos são divididos de acordo com
suas magias iniciais em prédio diferentes, mas não eram incomuns alunos de um
prédio estudar em outro ou até mesmo em mais, mas eram apenas os poderosos ou
pacientes que aprendiam a dominar mais de um elemento, algo que é necessário
muito tempo e experiência.
Alice se encontrava na frente de daquela porta. Suas amigas
contaram a historias dali, não muita coisa, mas o suficiente para causar medo.
Aquele corredor era uma parte do dormitório masculino do prédio das águas, mas
que por motivos misteriosos fora abandonado até hoje. Boatos contam que foi
apenas um reforma inacabada que deixou o corredor naquele estado. Alice
preferia pensar que era isso mesmo.
Empurrando a porta lentamente, a Arquimaga ouvia seu rangido
que disputava com o som do seu coração, que batia assustado.
...
Aquilo era um ritual. Forças dominavam aquela sala que
estava repleta de velas e desenhos arcanos pintados para todos os lados. Um
grande caldeirão borbulhava no centro da sala, cuspindo uma fumaça fétida e avermelhada
envolta por fios de luz verdes que se mexiam como vermes.
Alguém se aproximava do caldeirão, era uma bela mulher de
longos e lisos cabelos negros que combinavam com sua pele alva, que cobria um
corpo esquio e aparentemente frágil. Carregava nas pequenas mãos algo gosmento
e pulsante. Era um coração, que ainda batia. Suas mãos e antebraços sujos de
sangue denunciavam que o ato macabro fora executado pela própria mulher. O
corpo da vitima, um jovem ferreiro, ainda tremia quente em um canto da sala.
Ela se aproximara do caldeirão e sem demora jogou o coração
na água borbulhante. A fumaça rodeou toda sala, iluminando os desenhos arcanos
um a um, seguindo para a mulher. A fumaça abria os botões de sua blusa branca
que de mangas compridas, estavam puxadas para não serem manchados pelo sangue,
como acontecera com sua calça também branca e seus pés descalços. Com seios à
mostra a fumaça os rodeavam, tirando um gemido de prazer da mesma.
A fumaça para.
Fez-se silencio e então a fumaça vira um circulo na frente
de sua invocadora e dentro dele aparece um espelho.
-- Mostre-me o demônio Francis! – Ordenou a mulher e sua voz
soou autoridade e calma.
O espelho quebra-se e outro aparecera no lugar, mas o
segundo agora mostrava uma imagem. Era um lugar triste e devastado, mas calmo.
Sentado em um tronco podre que estava jogado na areia alaranjada do local, se
encontrava um homem. Era um jovem alto e de corpo forte, tinha o cabelo
comprido negro, que pendiam num rabo de cavalo preso por duas mechas de dreads
de seu próprio cabelo. Sua pele era de um bonito marrom que combinava com sua
armadura pesada de coloração branca com alguns detalhes vermelhos. Em uma mão
segurava uma lança de bronze e no outro um livro, que seguia com seu olho
esquerdo, pois o direito carregava uma cicatriz grande e feia que o mesmo
ostentava como um prêmio, assim como seus poucos cortes no corpo que a armadura
mostrava.
A mulher aproximou-se do espelho e forçou os olhos para
reconhecer aquele homem da imagem que ela nunca tinha visto antes.
--Está brincando comigo, espelho? – Ela disse. – Fiz o
ritual completo, você deveria buscar pelo sangue do demônio Francis...
FRAN-CIS... Quem é esse? – Ela apontava para aquele que lia do outro lado da
imagem.
Não houve resposta e logo após um longe suspiro impaciente a
mulher de trajes brancos coloca a mão no espelho e um pequeno portal se abre
atrás do homem, que entretido com sua leitura, só percebe quando é puxado pelo
pescoço, levando sua lança, mas deixando seu livro caído.
...
Alice adentrava a sala. As pixies não mais a seguiam,
dificultando sua visão. A mulher levanta a perna e de sua bota pega sua
varinha. Batendo suas vezes em sua mão a varinha se torna como cristal
luminoso, mostrando mesmo em meio a penumbra, o local onde se encontrava.
A Arquimaga estava em um quarto. O mesmo parecia idêntico
aos dos dormitórios normais. Enquanto rodeava no meio do quarto, tentando ter
uma visão de 360 graus, percebia que suas paredes estavam quebradas. Havia
vários livros rasgados e jogados no chão e havia uma mesa com um grande pacote
em cima dela.
Alice olhara para trás, tendo certeza de que ninguém a
observava. Há anos ninguém entrava naquela sala, aquele pacote com certeza era
do aluno que vivia naquele quarto. Se é que havia alguém.
Tirando a ponta da varinha como uma tampa, a mulher analisou
o canivete que guardava ali e se aproximou do pacote começando a cortar-lhe.
Era uma caixa.
Não uma caixa comum, mas um caixa de boneca. E dentro da
caixa uma boneca.
Ela era quase do tamanho de Alice, a mesma até levou um
pequeno susto por causa do realismo que tinha o brinquedo, mas depois do susto,
admiração. Era uma garota muito linda de traços delicados, quase élficos.
Podia-se notar que era uma espécie de boneca pelos braços que tinham parafusos
encaixando-os. Usava um comprido vestido rosa, na mesma tonalidade de um laço
que se prendia à direita de sua cabeça. Seus cabelos eram muito compridos,
atingiam seus joelhos num tom lilás muito bonito, dançando pela sua pele clara,
que tinha alguns traços rosados. Usava saltos pequenos em sapatos também rosas.
Alice se aproximava da caixa, tocava a pele da boneca,
curiosa. Era macia como a uma humana qualquer.
-- Que trabalho bem feito...
Assim que a Arquimaga falara os olhos daquele que se
encontrava dentro da caixa se abrem forçadamente. Alice dá um passo para trás e
deixa cair sua varinha luminosa.
Os olhos da boneca eram tão rosados que parecia avermelhado,
o que assustou Alice.
-- Mestre? – Dizia a boneca com uma expressão fria no rosto.
Com movimentos delicados, dignos de uma nobre a bela boneca sai da caixa e
caminha até a varinha, pegando-a e aluminando o quarto. A luz então para no
rosto de Alice.
-- Ele não está aqui, não é?
Alice respira fundo, aquela a sua frente não parecia
perigosa, pelo ao contrario, era tão bela e delicada que a Arquimaga quase
tinha vontade de abraçá-la.
-- Você deve estar falando do aluno que dormia nesse
quarto... Não, não há ninguém aqui há não sermos nós duas... – Dizia Alice se
aproximando e estendendo a mão para receber sua varinha de volta. – Qual seu
nome?
-- Miranda... – Dizia a boneca entregando o objeto à sua
dona. Ela então se voltou a sua caixa e tocando-a delicadamente falou para si
mesma: -- Você prometeu que estaria aqui quando eu acordasse...
Alice se aproximava da outra.
-- Meu nome é Alice... Eu... Posso ajudar você? Parece
preocupada com algo...
Quando a mulher se aproximara, a luz da varinha iluminou a
mesa onde se encontrava a caixa de Miranda. Entre cadernos riscados e antigos
livros rasgados havia um papel em especial, estava enrolado, mas na ponta
podia-se ler o nome da boneca.
-- Veja Miranda! – Dizia a Arquimaga apontando com a luz
para o papel.
A boneca virou, seguindo a luz, e logo reconheceu aquela
letra, e animada – embora com o rosto ainda sem expressão – aproximou-se para
pegar o papel, quando a sala inteira pareceu começar a tremer.
...
Noah Bell se encontrava naquela sala escura, iluminada
apenas por símbolos arcanos que brilhavam numa coloração azulada no chão e nas
paredes.
Um passo molhado fora ouvido, era os pés daquela que o
invocara que ainda sujos de sangue, faziam aquele som. A mulher se aproximara de
Noah e num rápido movimento segura-lhe o pescoço e olhando fixamente em seus
olhos gritava:
--Quem é você? Qual sua ligação com o demônio Francis?
Noah a encarava também, mesmo com dificuldade em respirar.
-- Eu que pergunto: “Quem é você?” E o que você sabe sobre
meu pai?
A mulher folgou a mão.
-- Pai?
Noah usou o cabo da lança para fazer a outra soltar-lhe, e
dando um pulo para trás começara a tatear as paredes, na inútil tentativa de
procurar uma saída.
-- Filho? – Falava a mulher para si mesma, com as mãos no rosto, assustada. Apoiava-se no caldeirão que ainda borbulhava. – Como? Quando?
Apontando a lança para a mulher: -- Você! Bruxa! Mostre-me a
saída!
O rosto da mesma fica vermelho, sua expressão era de raiva.
– FILHO? – Ela gritava e com um movimento da mão uma esfera flamejante se
formava na sua frente sendo lançada ao inimigo.
O homem esquiva-se e a bola de fogo bate na parede
quebrando-a. Do lado de fora, noite. Estavam em uma torre alta, podia-se ver um
pequeno vilarejo embaixo e enquanto Noah o fitava, tentando calcular se poderia
pular, outra bola de fogo passa em seu ombro, empurrando-o e queimando-o. O
homem caíra, mas segurava-se em tijolos quase soltos que o buraco formou. A
lança sempre em mãos.
-- Onde ele está? – Dizia a mulher se aproximando de Noah
com outra esfera perto do rosto do homem. – ONDE ELE ESTÁ? – Gritava.
-- QUEM É VOCÊ? – Gritava Noah enquanto tentava afastar o
rosto da esfera de fogo.
-- Estella! Sou a Estella!
Noah a olhou sem a reconhecer.
-- Seu pai nunca falou de mim? – Perguntou surpresa.
-- Nunca...
Estella olhou os céus escuros, com olhos distantes.
Noah aproveitou a brecha na atenção da mulher e usando a
lança, apoiou-se no chão da sala e puxou seu corpo para o chão novamente.
-- Onde ele está? – Ela perguntou ainda fitando os céus.
-- Você não vai encontrá-lo...
-- Eu perguntei... – Ela virou-se para ele. Seus olhos,
chamas ardentes. --... ONDE ELE ESTÁ? – Uma bola de fogo fora lançada em cheio
no meio do peito do homem, que caiu sobre o corpo do ferreiro que já esfriava
nesse momento.
-- ELE ESTÁ MORTO! – Gritou Noah.
Estella parou.
-- Eu mesmo o matei! – Sorriu Noah e seu sorriso era
assustador e satisfeito.
A mulher o olhou e com uma bola de fogo em mãos correu para
o mesmo enquanto rugia alto.
Num ato desesperado Noah jogara o corpo do ferreiro em cima
da mulher. A mesma o empurrava com a bola de fogo e sua cabeça caíra no
caldeirão enquanto seu corpo pendia no pescoço. Um novo portal abriu-se e antes
que pudesse ser atingido por outro ataque flamejante, Noah pulou nele.
...
Miranda se aproximava do papel quando um tremor começou e
sobre a cabeça das mulheres um portal fora aberto e Noah caíra sobre elas. A
bola de fogo voara atrás dele, atravessando o portal também, atingindo os
cadernos que estavam jogados no chão, que começaram a pegar fogo e se espalhar
por toda sala.
Noah estava em cima de Alice, a mesma o empurra e assim que
o mesmo toca no chão uma espécie de alarme começa a soar por todo o prédio.
-- Um guerreiro? – Falou Alice para si mesma.
Estella também atravessava o portal.
-- E eu mesma vou ti matar, filho de Francis!
Três bolas de fogo voaram em direção a Noah, mas uma delas
atingira Alice, queimando sua perna nua.
A Arquimaga gritou pela dor e Miranda sem saber o que fazer
pegara sua caixa e jogara em Estella. A caixa jogada pela boneca passara pela
mulher, entrando no portal atrás dela e atingindo o caldeirão da sala do outro
lado. A cabeça jazida do ferreiro balançou e outro portal se abrira no quarto
onde todos se encontravam.
A sala pegava fogo, e na porta ouviu-se um grito:
-- Renda-se em nome de Therwin!
Noah olhou o portal e correu até ele:
-- Eu não sei vocês, garotas... Mas aqui eu não fico! – Se
jogando.
Estella tentou o seguir, mas Miranda e Alice estavam na
frente.
A invocadora de fogo fez as chamas voltar-se para as duas.
-- Saiam da frente!
Na mesma hora a porta do quarto rachara por um raio lançado
por um místico. Havia vários na porta.
-- Precisamos ir também! – Gritava Alice puxando a boneca.
As chamas ainda tentaram atingi-la, passando perto de sua
mão e fazendo-a soltar o papel.
-- A carta! A carta! – Gritava Miranda. Enquanto o portal se
fechava. Só o que a boneca viu fora Estella pegando o papel e sorrindo.
O portal fechara.
-- Renda-se em nome de Therwin! – Gritou um dos místicos
apontando seu cetro feito de pedra para Estella.
A mulher os olhou e de suas costas um par de asas saíra,
asas feias e débeis, manchadas e depenadas, Estella era um anjo. Um anjo caído.
As asas a cobriram e logo só havia penas amassadas que queimavam junto com a
sala na frente dos místicos.
Estella também fugira.
Continua...
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