quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Hokori e Liaavel - Guerra selvagem



          

            O mundo era verde, marrom e amarelado.
            E cinza nos céus.
            O local cheirava à natureza, com seus odores de flores nascendo, fezes de animais e frutos podres morrendo. Tudo ali seguia as leis selvagens.
            Um tigre corria por um extenso tapete de grama, sentindo as flores dente-de-leão despedaçarem-se quando suas patas rasgavam a terra. O vento alisava os pelos do animal, eram pelos prateados, não um tigre branco, mas prata, com faixas negras. Pelos que brilhavam mesmo num dia sem sol forte, pois uma chuva vinha para o local. Seus olhos eram vermelhos, quase fogo, sempre fitando a frente, para o objetivo de sua corrida.
            Um trovão.
            O tigre prateado começara a correr ainda mais rápido, numa velocidade impressionante, como se seu tempo fosse curto. Talvez fosse.
            O animal era majestoso, assim como cada movimento natural seu. Modos calculados, delicados, porém mortais, enquanto corria em direção a um grande castelo feito de gavinhas e madeira, retorcendo-se para criar um grande espetáculo que era aquela imensa “construção” que cortava os céus que escureciam cada vez mais.
            Não apenas uma chuva, mas uma grande tempestade aproximava-se.
            Assim que o animal chegara à frente do castelo, deparou-se com uma senhora de idade, debulhando-se em lágrimas, jogada no chão, olhando para baixo e passando os dedos, enrugados e frágeis na terra. Como uma mendiga, trajava apenas um manto feito de pele de animais, o mesmo, rasgado e sujo.
            A senhora virou-se para o animal e mostrou sua face cansada, suja, velha...
            Vencida.
            Não era uma humana, era elfa, uma raça orgulhosa daquele mundo, podia-se notar pelas orelhas pontudas. Naquele momento, caídas. Mas seus olhos eram belamente amendoados e escuros, mostravam uma pequena fagulha de sobrevivência, mesmo que quase apagada.
            -- O que faz em minha Mente? – A senhora miou, numa voz fraca e quase invisível voltando seus olhos novamente a terra.
            Outro trovão.
            O tigre sentou-se em sua frente e logo fora consumido por chamas que saíram do nada, cobrindo seu corpo. Quando as mesmas desapareceram não havia mais o animal na sua frente.


            Agora era uma linda mulher.
            Seus longos cabelos negros e lisos dançavam junto ao vento tempestuoso do local. A mulher, alta e esquia, carregava nas costas duas katanas que se cruzavam afiadas como um belo ornamento. Na cintura duas wakizaki descansavam protegidas por uma faixa preta que segurava o belo kimono vermelho. O tecido do qual era feito aquela roupa tradicional parecia feita de próprio fogo e seus sapatos, de madeira eram equilibrados a mais de 40 cm do chão por um salto bem no centro que lhe dava a impressão de estar eternamente sobre uma perna-de-pau, sempre em equilibro, sempre se testando.
            A bela mulher caminhou em direção a outra e tudo naquele lugar parecia mudar. Animais começaram a se atacar usando garras, presas e todas suas formas de ataque, as plantas criavam espinhos e/ou engalfinhavam-se umas as outras numa batalha lenta e mortal. Os insetos usavam suas proteções contra os de mesma espécie.
            Batalha, sangue e acima de tudo honra e justiça. Aquela que caminhava lentamente, no meio daquele campo de batalha natural e selvagem era Liaavel, deusa da Guerra.
            -- Saia daqui... – Sussurrou a velha elfa. Suas lagrimas regavam os galhos que constituíam o castelo gigante atrás de si. Podia-se notar vida naquele lugar, pois as plantas continuavam sempre a crescer, mesmo que lentamente, mas rápido o suficiente para se notar o movimento saindo da terra. – Por favor... Saia daqui... – Repetiu.
            Mais um trovão.
            A outra, majestosa, bela, invencível e inabalável, observou a outra por um momento em silêncio, em seu rosto pálido de gueixa, uma expressão mesclada de carinho, pena e nojo. Abaixou-se fitando olhos nos olhos com a senhora. Liaavel trazia um par rasgados, como típicos de sua nação, Solasel.
            -- Você é uma deusa, Hokori... – Ela falou, sua voz era doce, feminina e calma, porem era superior e soava com firmeza como de um general em batalha.
Sempre em guerra.
            -- Você vai matar meus animais... Vai me matar ainda mais assim...
            A deusa Solaseliana colocou, delicadamente, com seus dedos compridos e finos, com unhas grandes e vermelhas, os cabelos da outra para trás das grandes orelhas.
            -- Batalhar não é o mesmo de morrer, minha querida. Os animais lutam, sobrevivem... Você é a deusa da natureza, Hokori, esqueceu-se dos próprios dogmas?
            A elfa anciã olhou para a outra. Viu olhos gentis e calmos, mas vermelhos, como chamas consumidoras. A anciã começou a chorar ainda mais, abraçou a guerreira e chorou, tendo convulsões e gritando descontroladamente.
            Naquele mundo o frenesi de batalha continuava, animais corriam pelas gramas verdes enterrando garras afiadas em couro duro, bicos em meio a escamas, cascos contra cascos.


            A deusa de olhos puxados esperou a outra se acalmar, enquanto ouvia seu choro e os sons dos animais batalhando.
            -- Vê Hokori? – Liaavel disse quando a outra se acalmou um pouco mais. Apontou para toda a extensão onde a grama e árvores, todas frutíferas, se levantavam, orgulhosos servindo de cenário para toda selvageria que ocorria no momento. – Os animais lutam... Vencem e perdem, morrem e vivem, mas lutam... Você é natureza, minha querida, deve fazer o mesmo.
            -- Não tenho mais razões para lutar...
            Hokori começou a falar, quando uma mão fina bateu-lhe no rosto, deixando uma marca que poderia dizer-se que fora feita por ferro quente, embora ela mesma saiba, foi feita com amor.
            -- Nunca mais ouse dizer isso... – A voz de Liaavel era ira e os maiores animais entraram em estado de fúria em suas batalhas. Os menores fugiram de medo, escondendo-se em suas tocas. -- Sempre há razão para lutar... Isso que você está passando agora é uma guerra. Batalhas não são apenas encontros físicos, mas ir contra qualquer dificuldade. Desistir é morrer, isso sim é morrer! Suicídio, a morte de si mesmo, por desistência, é inadmissível aos olhos de um guerreiro.
            -- Minha filha irá morrer...
            -- Mas não morreu, ainda há modos de salvá-la, Hokori. A própria Chihyõ, sua amada filha, a Oráculo da terra, está lutando para sobreviver e você, como deusa, pensa em desistir? Que vergonha...
            -- Lutando para sobreviver, Liaavel? Ela desistiu, começou a plantar uma substituta, pois sabe que acabou... Ela era parte de mim e agora sabe que ela irá morrer, e se ela está morrendo, porque nós, deuses, não podemos morrer também?
            -- Ela está salvando toda a natureza com a substituição e você é a natureza! Isso é sobreviver... Ela está abrindo mão de si mesma para deixar um todo existente, é a sua própria lei natural. Nascer, crescer, se multiplicar... E morrer!
            A solaseliana levantou a outra pelos ombros com um movimento rápido, autoritário, impossível de se negar. Eram opostas naquele momento. Uma senhora frágil e fraca, tremendo sobre as próprias pernas e uma jovem em seu auge da vida, de ombros e corpo eretos. Olhou mais uma vez dentro de seus olhos, ainda mais penetrante, quase fazendo a outra virar o rosto.
            -- Você vai lutar, vai seguir as suas próprias leis e derrotar tudo e qualquer problema que tentar te derrubar... – Liaavel disse como as ordens de um general decidindo as estratégias de uma guerra. -- Você vai ser uma guerreira, como você realmente é... Ou eu mesma te matarei, Hokori, e acabarei com essa desonra de uma vez por todas.
            E a deusa da guerra desapareceu em meio às chamas que a trouxeram, empurrando a outra no chão. Na sua frente, jogados na terra, apenas os ossos de um tigre, totalmente carbonizados.
            Os animais acalmaram-se sem a presença da honrada deusa, mas agora mesmo os mais fortes, as mais poderosas criações da natureza corriam de medo para se esconder, pois outro trovão soou nos céus, mais forte, mais preciso e a tempestade que outrora se formava, começara a cair.
            Com uma violência guerreira.


O Deus Astro



         
   Em Gensõ não existem tantos deuses menores. Os poucos são conceitos tão importantes que tomaram formas, vida e poder, talvez por suas importâncias ou pela quantidade de adoração recebida que acabou por modificar o Espelho da Realidade, a forma astral que toda existência se compõe.
            Um dos deuses menores mais poderosos e conhecidos é o deus duplo Solarium e Luna.
Enquanto defendem que há dois deuses, pela diferença de conceitos aos quais ambos representam, acreditando serem amantes, rivais ou até mesmo irmãos, tal qual Maagany e Barakon, líderes do panteão maior.
A verdade é que são ambas as faces de um mesmo deus.
Na astronomia de Gensõ, não há um sol e uma lua, mas um mesmo e único astro que se transforma de doze em doze horas em duas formas diferentes para cumprir seu papel. Em todos os locais, quando há noite, em outros também haverá, com exceção de locais modificados por poder mágico, como Daekor, onde parte é sempre dia e outra parte é sempre noite. O mesmo astro desce como sol e sobe como lua todos os dias de doze em doze horas, sendo uma transformação maravilhosa e nunca vista por ninguém. Apenas em raríssimos casos, conhecidos como Eclipse, o astro se torna dois, onde dizem estudiosos, é a libertação das duas personalidades tão conflitantes dentro de um mesmo corpo celeste. Ninguém nunca descobriu o motivo desse acontecimento, mas o Eclipse é sempre prelúdio de algo grande em Gensõ, como batalhas que mudam a história ou mesmo profecias sendo cumpridas.
Pois a lua e o sol são o mesmo, porém opostos.
O Deus Astro, como também é conhecido quando referido em ambas as faces ao mesmo tempo, tem duas formas diferentes.
Quando visto pelas primeiras doze horas da manhã é Solarium. Um deus viril e poderoso, de modos rudes e brutos, agressivo e orgulhoso. Aparece em Gensõ como um elfo de fogo. Sua pele é parda e seus cabelos são chamas vermelhas como o próprio sol como uma fogueira, sempre apontando para cima, seus olhos estão sempre em chamas ardentes, sendo impossível olhá-los diretamente por muito tempo. Normalmente sem roupa, ou com bem pouca, mostra com orgulho todo seu corpo de músculos perfeitos e sempre suados, assim como o grande sexo, sendo símbolo da masculinidade, assim como é protetor dos guerreiros. Sempre carrega uma lança de madeira um pouco queimada, tendo o Fogo e a Terra, elementos masculinos da criação, como seus símbolos alquímicos.
Nas ultimas doze horas do dia é Luna. A deusa é bela e delicada, serena e tranqüila, totalmente oposto de sua contraparte. Aparece na forma de uma belíssima fada-sereia de pele pálida, sentada em uma meia lua flutuante. Com uma longa cauda azul e dois pares de asas de borboletas semitransparentes também numa tonalidade azulada, a deusa está sempre rodeada de pequenas fadas e peixes que nadam no ar. Seus cabelos, longos e lisos parecem sempre úmidos e estão sempre balançando delicadamente ao vento, mesmo quando não há, tendo uma coloração negra como a noite, assim como seus pares de olhos profundos. Mostrando seus pares de belíssimos seios de auréolas rosadas, a deusa simboliza o feminino, assim como a Água e o Ar, elementos femininos da criação. Carrega sempre um pequeno orbe que flutua em suas mãos, rodeado por um brilho azulado, sendo a mesma, protetora dos magos.  

Devotos
Seus clérigos existem em três formas.

Os Filhos do Sol, uma seita que aceita apenas guerreiros do sexo masculino, onde o objetivo é mostrar o máximo de sua virilidade ao mundo. São protetores das batalhas físicas e brutalidades masculinas, proibidos de usar magia, pois acreditam que os homens devem deixar seus instintos masculinos prevalecerem e terem orgulho de todas as extensões de serem homens, desde seus modos até seus corpos. Sua maioria, mais fanática, passa as vidas sem ter contato com mulheres, em igrejas apenas formadas por homens, ou criam laços de companheirismo e até mesmo românticos e sexuais apenas com outros homens, ignorando qualquer mulher, considerando-as muito fracas. Alguns saem pelo mundo, caçando mulheres guerreiras, pois acreditam que a profissão é masculina demais para ser “sujada por toques femininos”. Os Filhos do Sol só atacam seriamente guerreiros do sexo masculino quando estes são clérigos ou devotos de Liaavel, pois de acordo com os mesmos é uma vergonha dizer que a deusa da guerra seja uma mulher, fora isso respeitam todo e qualquer homem que saiba batalhar. A seita tem como símbolo uma serpente em chamas.

                             

             As Filhas da Lua são o oposto, uma ordem feminina que aceita apenas usuárias de magia, como magas e clérigas. Suas devotas são delicadas e estudiosas, sempre tentando resolver os problemas diplomaticamente antes de partirem para a magia, mas nunca usando armas de batalha, suas armas favoritas são o orbe e o grimório, que consideram elegantes, raras utilizam varinhas e/ou cetros por acharem sujas suas formas 'fálicas'. São mulheres dominadoras, sempre batendo de frente com a sociedade machista que tenta oprimi-las. Muitas não mantêm contato com homens, tendo apenas outras mulheres como irmãs, amigas e amantes. Aquelas que se tornam aventureiras são conhecidas por serem caçadoras de magos, pois acreditam que a magia é um dom feminino e quando usada por homens está maculando a deusa. Os clérigos de Therwin são seus alvos favoritos por não aceitarem um deus da magia na forma de um homem. O símbolo da seita é uma aranha de gelo.


Ambos, Filhos do Sol e Filhas da Lua ignoram a contraparte oposta do Deus Astro. Muitos dos seus, são os fieis que acreditam serem na verdade dois deuses diferentes, aqueles que aceitam que é o mesmo deus, defendem que há uma batalha infinita interna onde o masculino e o feminino tentam provar quem é mais forte e por isso tomam esse papel de batalha sexista.

E há ainda uma terceira seita de adoração, um grupo pequeno e raro que adora o deus como um todo, em suas duas formas. Os Filhos do Astro são um grupo misterioso e diversificado que adora a diferença e a dualidade como símbolo principal. Os seus clérigos podem ser o que quiser, embora sempre levem um traço de ambas as faces do deus. Guerreiros mágicos, Magas de combate, Magos especializados em água e ar, guerreiras com espadas de fogo! Todos são muito diferentes, mas levam sempre a dualidade do deus Astro como marca principal, acreditam e defendem que somos todos ambos os deuses, luz e trevas, fogo e água, guerra e magia, dentro de nós mesmos. Seu símbolo é um Yin-Yang, imagem muito difundida em Solasel, onde se acredita ter nascido a seita.