quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Nasce uma guerreira


Daekor está passando por dificuldades. A utilização da magia divina no local fora tão grande que isso causara um distúrbio nos planos espirituais, rasgando assim o véu que separava realidade com o mundo da fé. Zumbis, demônios e anjos em constante batalha trazem o medo para a população que antes vivia em harmonia e paz.
Os outros continentes de Gensõ enviam diariamente tropas e suprimentos para o Reino do Espírito, ajudando assim na terrível Guerra Espiritual.

Solasel e seus honrados samurais, Lafaza e sua forte linha marítima e Shainar e seus guerreiros do deserto.
Mas um dos grandes reinos não se importa com a guerra que ocorre em seu vizinho. Drimlaê, o grande Reino do Ar fora até agora o único que não enviou suas tropas para ajudar o reino-irmão, e isso está causando uma espécie de intriga entre nobres. Como pode um reino tão grande e poderoso não se importar com um problema tão ruim assim?
O Castelo do Bobo é uma das construções mais poderosas que se encontram em Shufu, a capital de Drimlaê. É a moradia de Tyrus, o rei que carrega a alcunha de O bobo, por antes de alcançar o elevado posto de hoje ter sido um simples bobo-da-corte.

Sentado no seu trono de madeira está Tyrus, o grande rei, com uma expressão inocente e brincalhona no rosto, o rei é raramente levado a sério por não demonstrar a seriedade exigida em seu posto. Do seu lado estava sentada a rainha Sarah - embora algumas pessoas ainda insistam chamá-la por princesa -. Casada com o agora rei em tempos difíceis, a rainha parecia nunca reclamar, nem agradecer. Era uma mulher delicada e pura, não passava de suas 22 primaveras de aparência gentil e modos mais delicados ainda, uma rainha perfeita.
A grande porta feita de madeira e ouro, que leva a sala do trono é aberta e um ancião em vestes brancas e azuis celeste caminha por um tapete que levava à frente do trono. O estandarte de Maagany, a deusa da Bondade está bordada na parte de trás do manto do ancião que, com passos lentos e silenciosos se aproxima do rei, que ria e brincava com guizos num chapéu colorido que preenchia o local da coroa.
-- Olá... – Disse o Rei sem nem mesmo tirar os olhos dos guizos, brincando com eles como um gato brinca com um novelo enquanto a rainha ficava em silencio, achava melhor assim... Em terras masculinas algumas mulheres eram obrigadas a ficar caladas.
-- Vossa Majestade... – A voz do ancião parecia que iria falhar de tão fraca, assim como seu joelho ao se abaixar em uma nobre reverencia. – Sou Hujjiel Lukkian, sacerdote de Maagany e mensageiro de David XXI, regente de Daekor e Sumo-sacerdote da deusa da Bondade e da vida.
Assim que o nome de David XXI fora cantado da boca do ancião, Tyrus colocou-se formalmente no trono e fitou os olhos azuis daquele à sua frente. Olhou-o bem, desde seus longos cabelos brancos que combinavam perfeitamente com a longa barba de mesma cor até a barra do seu manto que era bem desenhada com vários símbolos de crucifixos.
-- David XXI? – Perguntou o rei.
-- Sim vossa Graça, trago-lhe notícias...
-- Mais noticias? – O rei sorriu. – O bruxo de Maagany me manda noticias todas as noites, até sei o que já vou sonhar sabia? A bela arcanjo de grandes seios vestida de vento me dizendo para ajudar na batalha espiritual e blábláblá... Não entendo porque ele o enviou senhor Lukkian, a arcanjo semi-nua é uma experiência mais prazerosa.
Sarah cerrou o punho ao lado do rei, mas continuou em silencio.

-- Perdoe-me por minha pretensão, majestade... Mas creio que essa seja a primeira vez que meu senhor envia um mensageiro para vós.
Tyrus o fitou novamente, enquanto apertava os olhos como uma criança olhando um inseto curioso, pensou que o ancião poderia estar mentindo, mas logo depois fez seu próprio julgamento e então teve certeza de que ele não mentia.
-- Não importa... Então diga-me... Que notícias são essas que meu amigo David me enviou? Ele está me convidando para um chá? Uma festa na praia? Sabe...? O David é um chato ele nunca me convidou para essas coisas... – Dizia o rei virando os olhos.
Hujjiel soltou um rápido e discreto suspiro, tentava conter a paciência, o que era muito fácil de perder com Tyrus, o que era fácil perder com qualquer seguidor de Tyali, o deus patrono do rei, o senhor dos humanos e deus da ironia e poder.
-- Precisamos de ajuda na Guerra Espiritual! – O ancião fora curto e mortal, não podia adiar aquela conversa senão O bobo acabaria fazendo-o esquecer seus afazeres.
-- Viu? – O rei levantou-se e começou a caminhar na frente do trono. – É a mesma coisa que a arcanjo me diz toda noite... “Por favor Tyrus, ajuda a gente, ajuda? Ô! o povo ta morrendo, o povo ta chorando e você tem poder, você pode e blábláblá” – Dizia ele numa voz afetada enquanto mexia os quadris imitando alguém que só ele havia visto. – Rá! Bobagem! Não precisam de mim... Todo mundo está ajudando não está? Pra que mais ajuda?
-- Vossa Graça... Toda ajuda é pouca nesse momento, estamos lutando com poderes espirituais, são hordas e hordas de demônios indo diariamente para as terras de Daekor, maculando nosso chão, derramando sangue inocente... E logo isso pode se espalhar por toda Gensõ, como uma doença... Isso pode chegar à Drimlaê.
Tyrus sentou-se novamente no trono, colocou o rosto entre as mãos e pareceu chorar, mas mesmo com seus olhos demonstrando tristeza, ainda estava com o grande sorriso vermelho, com dentes brancos que mais pareciam presas.

-- Não posso... Eles enviaram tropas, o deus da ironia não ficaria feliz se eu simplesmente enviasse tropas também, eu simplesmente não posso mostrar o poder que eu possuo, eu devo ficar calado, devo apenas assistir.
Sarah e Hujjiel o olharam, aflitos. Entenderam o porquê do rei não ajudar, estava preso nos dogmas de sua própria crença. Tyali era assim, ele não demonstrava o poder, para ele, quanto mais poderosa fosse a pessoa mais ela deveria demonstrar ser fraca, quando mais fraca mais ela demonstraria ser forte. Era um deus considerado louco por aqueles que tinham a rara coragem de blasfemar.
Hujjiel levantou-se forçadamente, seus ossos rangeram e ele sentiu uma pequena dor no corpo que a velhice trazia para si.
-- Não vou obrigar-lhe a ir contra seu deus, e tenho certeza que Davi XXI muito menos, entendemos seu problema e o respeitamos. Com sua licença Vossas Majestades... – O homem deu meia-volta e começou a caminhar para a porta de ouro e madeira que levava para fora da sala do trono.
Tyrus não parecia mais triste, sua expressão era neutra, como se nunca tivessem tido a conversa de agora.
Assim que Hujjiel colocou o pé na outra sala, Sarah, a rainha levantou-se do trono e gritou:
--- Hujjiel Lukkian! Vamos ajudá-los!
Tyrus olhou para sua esposa como se fosse gritar, como se fosse repetir tudo aquilo que acabara de falar para o sacerdote.
Sarah virou-se para o rei e fazendo uma reverencia formal e pediu:
-- Envie tropas, não seus melhores homens. Envie aqueles que quiserem ir, aqueles que acham que vale a pena lutar por Daekor, aqueles que querem honras e glorias... – Fez-se um silencio que logo foi quebrado pela delicada voz da rainha. --... E eu os liderarei.
O sorriso de Tyrus aumentou ainda mais, se tornando algo assustador. Hujjiel não entendera, mas a proposta da rainha fora clara para O bobo. Ela era uma rainha, não uma guerreira. Nunca, em toda sua vida, pegara numa espada. A coisa mais perigosa que deveria ter pegado eram as facas em jantares formais em que ia para servir de ‘paisagem’.
-- É perfeito...! – Gritava Tyrus enquanto se colocava de cabeça para baixo no trono de madeira. – Imagina se VOCÊ consegue vencer essa guerra? Seria irônico, não há sacrifício melhor para Tyali! – Ele ria alto e desesperado, lagrimas saiam de seus olhos enquanto os sorrisos aumentavam.
Hujjiel entendeu a situação e então virou-se para a rainha que agora aparentava um rosto de tristeza e decepção.
-- Majestade... Não...
Antes que pudesse falar, Sarah levantou a mão enquanto olhava seu marido sorrindo, cortando o sacerdote. Ela então caminhou pelo tapete em direção a porta e assim que passou por Hujjiel falou: -- Aceite... É a única forma... – Ela então saiu enquanto chamava empregadas e pedia para trazer-lhe as melhores armas que pudessem encontrar.
O ancião via o rei que estava com o rosto vermelho de tanto rir, fez uma reverencia que não fora nem percebida por Tyrus e saiu da sala em silencio, enquanto ouvia os sorrisos Do bobo que se tornavam mais e mais assustadores.
E logo isso se tornaria o assunto das bocas de Shufu. A rainha se tornara uma guerreira.

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