O vento soprava tão frio quanto o coração das pessoas que caminhavam naquelas ruas. Aquelas ruas, enfeitadas por tijolos vermelhos, com casas de uma tonalidade avermelhada também. Aquelas casas eram assustadoras, pareciam monstros, monstros prestes a atacar qualquer criatura indefesa que passasse perto delas, mas eram apenas casas, existiam perigos bem maiores naquela cidade.
Meio-dragões caminhavam pelas ruas à noite cobertos por armaduras metalizadas, armaduras também na tonalidade avermelhada, uma tonalidade fria e aparentemente muito séria. Nas armaduras, um símbolo muito conhecido, o símbolo de uma pequena chama, o símbolo de Kaen.
Aquela cidade nada mais era do que uma das grandes rochas que flutuavam sobre o continente de Drimlaê. No norte da grande pedra flutuante, um grande palácio, um palácio imenso, onde caberia várias pessoas.
Ou um dragão...
Era exatamente isso que aquele palácio escondia.Um dragão. Kaen, o regente da cidade, o dragão de fogo mais temido e odiado de toda Gensõ, um ser vil e cruel que matava e destruía para seu bel-prazer, mas nesse momento ele não estava em meio a chamas, não estava em sua forma assustadora, nesse momento usava apenas um manto vermelho e era apenas um belo e sério homem.
Kaen estava encostado em um parapeito, pensativo, seus olhos vermelhos e ardentes fitavam algo que nem mesmo um dragão normal poderia ver, fitavam dor e ódio, mesmo para o grande dragão vermelho aquilo era inadmissível, mas não poderia fazer nada. Tentara fazer aquilo uma vez, era inútil, ele aprendeu sozinho e agora o outro precisava aprender sozinho também...
Em passos pesados, mas altamente cautelosos se aproximava outro dragão. Era Derek, líder do protetorado de Kaut, guerreiro leal e honroso, mas nem por isso de bom coração.
-- Lorde Kaen... Mandou me chamar? – Derek dizia enquanto se prostrava diante às costas do grande dragão vermelho, sua espada estava no chão, como forma de respeito, a armadura avermelhada sussurrava enquanto o dragão respirava profundamente, embora fosse o homem naquela cidade que mais tinha ligação direta com o regente ainda tinha medo dele, muito medo, a qualquer momento Kaen poderia matá-lo, transformá-lo em cinzas, bastava ele querer.
O dragão regente ainda estava de costas, ficou em silencio por alguns segundos e Derek nem ousava apressá-lo, mas o silencio fora quebrado quando Kaen virou-se para seu servo.
-- Convoque todos os dragões vermelhos que puder... Chamem todos aqueles que desejam lutar pelo meu nome, que desejam ser vitoriosos... –
Os olhos esverdeados de Derek se arregalaram e sem medir suas palavras soltou a pergunta:
-- Estamos em guerra? – O guerreiro colocou as próprias mãos na boca, não podia fazer essa pergunta, não estava ali para questionar, estava ali para obedecer e matar em nome de Kaen.
Mas para a surpresa de Derek, Kaen não o matou, talvez estivesse preocupado demais, talvez precisasse de seu guerreiro, mas não o matou, apenas soltou um suspiro e falou:
-- Não estamos em guerra... Mas temo ter que entrar em uma... – Kaen deu dois passos vagarosos e seguros em direção à uma das cortinas que enfeitava os cantos do peitoral, cortinas de veludo vermelho, como tudo naquele palácio.
Quando não era feito de ouro, era vermelho.
O dragão passou o veludo no rosto delicadamente, sentiu aquela textura parecida com pelos e soltou um sorriso.
Derek se assustou, quase nunca via o dragão sorrindo. Normalmente quando o faz, sorri pela desgraça de alguma pessoa, mas naquele momento não acontecia nenhuma desgraça. Nenhuma que Derek tivesse conhecimento.
-- Pobre Chihyõ... – Disse o dragão rei quando tirou o veludo do rosto. – Você não sente Derek, claro que não... Não é tão importante quanto eu... Tão poderoso quanto eu... Não passa de um simples meio - dragão... – Kaen voltava a olhar o peitoral enquanto Derek engolia o orgulho e ficava em silencio apenas ouvindo e sendo humilhado. – Há muito tempo atrás pensei em dominar este mundo, me tornar um deus... – ele sorria de si mesmo. – Eu era tolo, não sabia as conseqüências que minhas atitudes levariam a mim e a esse mundo... Posso ser uma das criaturas mais poderosas de Gensõ, mas não sou tão grande quanto um deus... E nunca serei...
Derek arregalou os olhos novamente, fora a primeira vez (e seria a última) que via Kaen colocando alguém acima dele.
-- Eu sou o fogo, sou destruidor por natureza, dominador por natureza... – Kaen continuou. --... Coloque fogo em um objeto e as chamas tentarão dominar tudo que puder, tornará cinzas tudo que puder... Por isso eles me perdoaram... Por entender a minha natureza... Por entender que minhas atitudes não poderiam ser outras senão a dominação. -- Silêncio. -- ... Ou pelo ao menos a tentativa.
Derek levantou os olhos, curioso, e Kaen os fitava profundamente com um par de olhos vermelhos, tão vivos quanto chamas consumidoras, o que fez o guerreiro abaixar o olhar, humilhado.
-- Deve estar se perguntando de quem estou falando... Estou falando deles, Derek... Dos deuses. Aqueles que todos em Gensõ adoram, entregam suas vidas curtas e medíocres a eles... E dos Oráculos, fui perdoado por todos os Oráculos... Devo isso, claro, à tola da Kaze. – Kaen soltou um suspiro e um sorriso. – Ela e Chihyõ, duas tolas, tão poderosas e ao mesmo tempo tão gentis... Nunca vou entendê-las. As acho bem parecidas com Maagany... Mas isso é outra historia... O que quero dizer é que fui perdoado, e jamais cometerei o mesmo erro... Mas o que fazer quando outra pessoa está preste a cometer seu mesmo erro e você não tem nem ideia de como convencê-lo ao contrario?
Derek ficara em silencio, não entendia tudo que o regente falava, por isso não arriscaria falar nenhuma bobagem diante Kaen.
Os olhos do regente sobre Derek como se voltasse à realidade, como se saísse de seus pensamentos e achasse que aquele diante dele não fosse digno de estar tendo essa conversa.
-- Saia da minha frente... -- Sua voz mais uma vez dura, mais um vez de general. -- E faça o que eu mandei, convoque todos que puder, vamos proteger Kaut caso algo de ruim aconteça... -- Uma pausa e uma expressão sádica. -- E marque aqueles que negarem minhas ordens, tomarei providencias mais tarde...
No mesmo instante sem dizem uma palavra, apenas fazendo uma pequena e formal reverencia, Derek pega sua espada e sai da sala silenciosamente.
Kaen se volta para o parapeito e começa a olhar na mesma direção em que olhava outrora e sussurrando para si mesmo dizia:
-- Sinto muito Chihyõ... Mas Denkõ terá que aprender essa lição, sozinho... E eu não posso fazer nada...
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