O mundo era verde, marrom e amarelado.
E cinza nos
céus.
O local
cheirava à natureza, com seus odores de flores nascendo, fezes de animais e
frutos podres morrendo. Tudo ali seguia as leis selvagens.
Um tigre
corria por um extenso tapete de grama, sentindo as flores dente-de-leão
despedaçarem-se quando suas patas rasgavam a terra. O vento alisava os pelos do
animal, eram pelos prateados, não um tigre branco, mas prata, com faixas negras.
Pelos que brilhavam mesmo num dia sem sol forte, pois uma chuva vinha para o
local. Seus olhos eram vermelhos, quase fogo, sempre fitando a frente, para o
objetivo de sua corrida.
Um trovão.
O tigre
prateado começara a correr ainda mais rápido, numa velocidade impressionante,
como se seu tempo fosse curto. Talvez fosse.
O animal
era majestoso, assim como cada movimento natural seu. Modos calculados,
delicados, porém mortais, enquanto corria em direção a um grande castelo feito
de gavinhas e madeira, retorcendo-se para criar um grande espetáculo que era
aquela imensa “construção” que cortava os céus que escureciam cada vez mais.
Não apenas
uma chuva, mas uma grande tempestade aproximava-se.
Assim que o
animal chegara à frente do castelo, deparou-se com uma senhora de idade,
debulhando-se em lágrimas, jogada no chão, olhando para baixo e passando os
dedos, enrugados e frágeis na terra. Como uma mendiga, trajava apenas um manto
feito de pele de animais, o mesmo, rasgado e sujo.
A senhora
virou-se para o animal e mostrou sua face cansada, suja, velha...
Vencida.
Não era uma
humana, era elfa, uma raça orgulhosa daquele mundo, podia-se notar pelas
orelhas pontudas. Naquele momento, caídas. Mas seus olhos eram belamente amendoados
e escuros, mostravam uma pequena fagulha de sobrevivência, mesmo que quase
apagada.
-- O que faz
em minha Mente ?
– A senhora miou, numa voz fraca e quase invisível voltando seus olhos
novamente a terra.
Outro
trovão.
O tigre
sentou-se em sua frente e logo fora consumido por chamas que saíram do nada,
cobrindo seu corpo. Quando as mesmas desapareceram não havia mais o animal na
sua frente.
Agora era
uma linda mulher.
Seus longos
cabelos negros e lisos dançavam junto ao vento tempestuoso do local. A mulher,
alta e esquia, carregava nas costas duas katanas que se cruzavam afiadas como
um belo ornamento. Na cintura duas wakizaki descansavam protegidas por uma
faixa preta que segurava o belo kimono vermelho. O tecido do qual era feito
aquela roupa tradicional parecia feita de próprio fogo e seus sapatos, de
madeira eram equilibrados a mais de 40 cm do chão por um salto bem no centro que lhe
dava a impressão de estar eternamente sobre uma perna-de-pau, sempre em
equilibro, sempre se testando.
A bela
mulher caminhou em direção a outra e tudo naquele lugar parecia mudar. Animais
começaram a se atacar usando garras, presas e todas suas formas de ataque, as
plantas criavam espinhos e/ou engalfinhavam-se umas as outras numa batalha
lenta e mortal. Os insetos usavam suas proteções contra os de mesma espécie.
Batalha,
sangue e acima de tudo honra e justiça. Aquela que caminhava lentamente, no
meio daquele campo de batalha natural e selvagem era Liaavel, deusa da Guerra.
-- Saia
daqui... – Sussurrou a velha elfa. Suas lagrimas regavam os galhos que
constituíam o castelo gigante atrás de si. Podia-se notar vida naquele lugar,
pois as plantas continuavam sempre a crescer, mesmo que lentamente, mas rápido
o suficiente para se notar o movimento saindo da terra. – Por favor... Saia
daqui... – Repetiu.
Mais um
trovão.
A outra,
majestosa, bela, invencível e inabalável, observou a outra por um momento em
silêncio, em seu rosto pálido de gueixa, uma expressão mesclada de carinho, pena
e nojo. Abaixou-se fitando olhos nos olhos com a senhora. Liaavel trazia um par
rasgados, como típicos de sua nação, Solasel.
-- Você é
uma deusa, Hokori... – Ela falou, sua voz era doce, feminina e calma, porem era
superior e soava com firmeza como de um general em batalha.
Sempre em guerra.
-- Você vai
matar meus animais... Vai me matar ainda mais assim...
A deusa
Solaseliana colocou, delicadamente, com seus dedos compridos e finos, com unhas
grandes e vermelhas, os cabelos da outra para trás das grandes orelhas.
-- Batalhar
não é o mesmo de morrer, minha querida. Os animais lutam, sobrevivem... Você é
a deusa da natureza, Hokori, esqueceu-se dos próprios dogmas?
A elfa
anciã olhou para a outra. Viu olhos gentis e calmos, mas vermelhos, como chamas
consumidoras. A anciã começou a chorar ainda mais, abraçou a guerreira e
chorou, tendo convulsões e gritando descontroladamente.
Naquele
mundo o frenesi de batalha continuava, animais corriam pelas gramas verdes
enterrando garras afiadas em couro duro, bicos em meio a escamas, cascos contra cascos.
A deusa de
olhos puxados esperou a outra se acalmar, enquanto ouvia seu choro e os sons
dos animais batalhando.
-- Vê
Hokori? – Liaavel disse quando a outra se acalmou um pouco mais. Apontou para
toda a extensão onde a grama e árvores, todas frutíferas, se levantavam,
orgulhosos servindo de cenário para toda selvageria que ocorria no momento. –
Os animais lutam... Vencem e perdem, morrem e vivem, mas lutam... Você é
natureza, minha querida, deve fazer o mesmo.
-- Não
tenho mais razões para lutar...
Hokori
começou a falar, quando uma mão fina bateu-lhe no rosto, deixando uma marca que
poderia dizer-se que fora feita por ferro quente, embora ela mesma saiba, foi
feita com amor.
-- Nunca
mais ouse dizer isso... – A voz de Liaavel era ira e os maiores animais entraram
em estado de fúria em suas batalhas. Os menores fugiram de medo, escondendo-se
em suas tocas. -- Sempre há razão para lutar... Isso que você está passando
agora é uma guerra. Batalhas não são apenas encontros físicos, mas ir contra
qualquer dificuldade. Desistir é morrer, isso sim é morrer! Suicídio, a morte
de si mesmo, por desistência, é inadmissível aos olhos de um guerreiro.
-- Minha
filha irá morrer...
-- Mas não
morreu, ainda há modos de salvá-la, Hokori. A própria Chihyõ, sua amada filha,
a Oráculo da terra, está lutando para sobreviver e você, como deusa, pensa em
desistir? Que vergonha...
-- Lutando
para sobreviver, Liaavel? Ela desistiu, começou a plantar uma substituta, pois
sabe que acabou... Ela era parte de mim e agora sabe que ela irá morrer, e se
ela está morrendo, porque nós, deuses, não podemos morrer também?
-- Ela está
salvando toda a natureza com a substituição e você é a natureza! Isso é
sobreviver... Ela está abrindo mão de si mesma para deixar um todo existente, é
a sua própria lei natural. Nascer, crescer, se multiplicar... E morrer!
A
solaseliana levantou a outra pelos ombros com um movimento rápido, autoritário,
impossível de se negar. Eram opostas naquele momento. Uma senhora frágil e
fraca, tremendo sobre as próprias pernas e uma jovem em seu auge da vida, de
ombros e corpo eretos. Olhou mais uma vez dentro de seus olhos, ainda mais
penetrante, quase fazendo a outra virar o rosto.
-- Você vai
lutar, vai seguir as suas próprias leis e derrotar tudo e qualquer problema que
tentar te derrubar... – Liaavel disse como as ordens de um general decidindo as
estratégias de uma guerra. -- Você vai ser uma guerreira, como você realmente
é... Ou eu mesma te matarei, Hokori, e acabarei com essa desonra de uma vez por
todas.
E a deusa
da guerra desapareceu em meio às chamas que a trouxeram, empurrando a outra no
chão. Na sua frente, jogados na terra, apenas os ossos de um tigre, totalmente carbonizados.
Os animais
acalmaram-se sem a presença da honrada deusa, mas agora mesmo os mais fortes, as
mais poderosas criações da natureza corriam de medo para se esconder, pois
outro trovão soou nos céus, mais forte, mais preciso e a tempestade que outrora
se formava, começara a cair.
Com
uma violência guerreira.
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